quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Leituras no pânico


Inexplicavelmente, há mais ou menos dois meses, vendo sofrendo de uma ansiedade patológica e de transtornos do pânico. Apavora-me a idéia de que a qualquer instante venha a ter um infarto e abandonar esta casca que me veste. Este medo da indesejada das gentes é incontrolável, e vem minando as minhas possibilidades criativas. Não sei de onde vem este pânico, sem que estou aqui de passagem e mais um dia que passa é menos um dos que virão. Meu destino está selado em alguma esquina, carro, ou mesmo em casa. Nasci, todos nascemos, condenado.
Nos intervalos em que tinha alguma disposição para a leitura e para o trabalho, fui fazendo algumas leituras que agudizavam minha dor ao mesmo tempo em que me apontavam uma atitude estóica diante da vida e do mundo.
A primeira dessas leituras foi a do livro do americano Paul Bowles, O céu que nos protege, o livro narra a saga descantada de três americanos - Port, Kit, sua mulher, e Turner, um amigo, pelo deserto do Saara, à procura de um lugar livre dos horrores da Segunda Guerra. A grande questão do livro talvez seja nossa "orfandade" sob esse céu infinito e insondável. Como nos revela algumas imagens do céu escaldante do Saara: "Durante o dia não era apenas o sol que a perseguia do alto do firmamento - o céu inteiro era como uma cúpula metálica, embranquecida de calor" (p. 254).
Sob esse céu que nos protege, Port entrega os pontos, ficando no meio caminho (todos não ficamos?), Kit segue a jornada que a fazbeirar os abismos humanos da insanidade e da visceralidade. Turner parece ser único não muito afetado pelo deserto.
Outra leitura foi a do O ovo de ouro, de Tim Krabbé, uma terrível história de amor de um casal de holandeses, Rex e Saskia. Uma metáfora bela e terrível sobre o amor. Rex e Saskia são enredados numa macabra teia amorosa, armada pelo destino que deixa suas pistas através do sonho do ovo de ouro.
A terceira, estou começando. Trata-se do Dário íntimo, de Kafka. Como não se assombrar e deleitar com frases assim: "Durmo, desperto, torno a dormir, torno a despertar, miserável existência" (p.17).
[...] Sou de pedra, sou a minha própria lápide tumular, sem qualquer fresta para a dúvida nem para fé, para o amor, nem para a repulsa, para a audácia nem para a angústia, em partiuclar ou em caráter geral; apenas una tênue esperança vive, porém à maneira das inscrições nos túmulos" (p. 28).

3 comentários:

  1. A cura dolorosa para os males insondáveis desta empreitada severina. E a notícia: não esgotaremos esse receituário. Aquele abraço e firme, meu caro.

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  2. É, Paulo, nascemos condenados. Pelo menos, a literatura é um remédio para essa nossa existência doentia. Lembrei de uma passagem do romance Encontro Marcado de Fernando Sabino:

    "De tudo, ficaram três coisas: A certeza de que estamos sempre começando. A certeza de que precisamos continuar. A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar..."

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  3. P.S: Mas esse "antes de terminar" pode ser na velhice, depois de muitos anos... nada de pânico!! Você não terá infarto nenhum! Um abraço...

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