terça-feira, 28 de julho de 2009

Insonia II

A noite está cheia de pregos. Não me venham com histórias de que a lua exibi-se lascívia. Já não tenho o tesão dos vinte anos. Para que escrever poemas sobre a noite se ela sempre vem. E vem cheia de pregos. De nada adianta. Só me faz sentir cada ponta de prego dilacerar meu corpo. Quem dera pudesse escrever com a agudeza angustiante de Cioran. Mas sou um reles pateta, perdido da noite. O pior de tudo é ouvir os galos que carregam a negação de Pedro. Que espécie mais infame, a cada canto recorda-me que minha jornada noite adentro será longa. A noite me tira qualquer possibilidade de comunicação. Estou só ante a noite e essa dor no peito. Estou só e nu. A noite me despe de todas as máscaras. Um sujeito fraco e mesquinho é o que resta de mim dentro da noite. E enquanto os pássaros despertam, despeço-me da noite até logo mais e aguardo seu retorno, cheia de pregos.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Miller

Trópico de Câncer, de Henry Miller, foi um livro que adquirir há cinco ou seis anos. Não o conseguir ler todo na primeira leitura. Ainda não era o leitor maduro para o livro. Há poucos dias, deparei-me com o livro na estante, peguei-o e li as primeiras páginas. Não consegui parar. Cada frase de Miller foi sendo cravada, verdades ásperas de um mundo infame. E que fotografia da Paris dos anos 30, e suas ruas sujas. Deixo aqui algumas marcas desta leitura iluminada:

"[...] Isto não é um livro. Isto é injuria, calúnia, difamação de caráter. Isto não é um livro, no sentido comum da palavra. Não, é um prolongado insulto, uma cusparada na cara da Arte, um pontapé no trazeiro de Deus, do Homem, do Destino, do Tempo, da Beleza... e do que mais quiserem. Vou cantar para você, um pouco desafinado talvez, mas vou cantar. Cantarei enquanto você coaxa, dançarei sobre seu cadáver sujo..."

"Quando olho para dentro dessa boceta fodida de puta sinto o mundo inteiro embaixo de mim, um mundo vacilante e desmoronante, um mundo gasto e polido como um crânio leproso. Se houvesse um homem que ousasse dizer tudo quanto pensa deste mundo, não lhe restaria um palmo quadrado de terra onde ficar".

"[...]Quem dotado de um olho desesperado e faminto, pode ter o mais ligeiro respeito por esses governos existentes, essas leis, códigos, princípios, ideais, idéias, totens e tabus? Se alguém soubesse o que significa ler o enigma daquela coisa que hoje é chamada de 'racha' ou 'buraco', se alguém tivesse o menor sentimento de mistério sobre os fenômenos qualificados 'obscenos', este mundo partir-se-ia em pedaços. É o horror obsceno, o aspecto fodido e seco das coisas que faz esta civilização parecer uma cratera".


Post Miller:

As aventuras de Vadico I

Seria sua primeira buceta branca, pensou quando a avistou cruzando o campo. Conferiu, pela última vez, a presença da faca. Seu pau latejava. Ação foi rápida. Em poucos minutos conduziu-a ao matagal ao lado do campo. Lá, a garota riu, irônica, quando Vadico se aliviou sozinho, deixando-a intata. A ele, só restou esconder as gengivas limpas, suspender derrotado as calças e correr ao escuro do campo.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

“O gato por dentro”

Um amigo escritor sempre me disse que nada acontece por acaso. Duvidava da frase. Eu rezava no credo sartreano: "O homem é suas escolhas". Um utro amigo poeta, tempos atrás, deu-me o livro de William Burrougs, O gato por dentro, em que que o escritor americano, num tom de ironia amarga, contava sua vivência com gatos. Li deliciosamente esse livro que me permitia entra na alma felina e na alma humana, afinal os gatos sempre estiveram presente na minha vida . Chegavam não sei de onde e se instalavam.
Foi o caso de Gatinha. Chegou e tomou posse da casa. Deu-me umas três ou quatro ninhadas de gatos, que iam se acumulando ou substituindo os desistentes, os que sumiam sem deixar vestígios.
Gatinha cuidava de sua última ninhada. Numa manhã, ela e um dos filhotes amanheceram mortos. Comeram restos de veneno para ratos no quintal dos vizinhos. Encontrei estática no fundo do quintal, o filhote ainda agonizou alguns instantes.
Minha filha, ao meu lado, assistia a tudo sem muito espanto. Era sua primeira morte.
Ao despejar a par de terra sobre o buraco improvisado para mãe e filho, recordei a dedicatória do amigo poeta: "ao amigo, que agora sei que sentia algumas dores inexplicáveis. Ele tinha o gato por dentro". Sim, "somos gatos por dentro". Os gatos que não podem andar sozinhos, e para nós há apenas um lugar". Nada acontece por acaso.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Insonia

A noite será longa e cheia de fantasmas, pressinto ao ver na tela o som e a fúria de uma história contada por um louco. Além disso, essa taquicardia. Não, literatura não é remédio, é ácido. Como Bandeira, gostaria de ter lavrado o campo; a mesa posta. Não dá. Ando cheio de quadros antigos na parede, roídos por traças, nas horas intermináveis. As páginas de um livro avisam-me sobre a indesejada das gentes, mas não tenho punhos fortes, resta-me o medo e olhos e ouvidos atentos ao silêncio áspero da noite. As britadeiras de vidro. Ser ou não-ser?, porque essa questão agora, quando todos dormem? Quando só resta a mim, testemunha e vítima? Por que não parar e contemplar a noite que passa? Porque agonizo, só isso. Agonizo e é noite. Tenho vários poemas sobre a noite escritos durante o dia, agora que é noite não acho o ritmo da noite. Só sua aspereza que não me deixa pregar o olhos. Se, ao menos, pudesse trepar. Quantas noites gastas em suor e esperma? Só vazio é o que resta. Essa coisa de não pregar os olhos, enquanto a noite se abre em volúpia e morte.