sábado, 13 de julho de 2013

Minhas leituras






O inverno de nossa desesperança


Acho que foi em Django Livre, o mais recente filme de Quentin Tarantino que ouvi a máxima: “Quem suja a mão, suja duas vezes”. Se não foi aí que a vi primeiro, foi na sucinta e lúcida resenha de Mayrant Gallo de O Invasor, de Marçal Aquino. A máxima pode ser uma chave de leitura para o belo romance de John Steinbeck, O inverno da nossa esperança – L&PM, 2011, com o qual o autor é agraciado como prêmio Nobel. A narrativa apresenta-nos uma narrativa contudente do american Way of life. O livro relata a queda moral de Ethan Hawley em busca de dinheiro e prestígio na própria família e na sociedade.

Alain FinkielKraut, em Um coração inteligente (2011), afirma que a literatura ocidental nasce de uma querela. Mas – Finkielkraut citando Kundera - “Homero não teve ideia de se perguntar se, depois de numerosas brigas corpoa a corpo, Aquiles ou Ajax conservavam todos os dentes”. Esses heróis encarnavam virtudes. A prosa ocidental moderna, no entanto, insere na narrativa “os destinos ordinários e o ordinário de todos os destinos, as vidas modestas e o caráter cotidiano da vida nascem da insignificância” .
O inverno da nossa esperança focaliza a vida de um homem comum, espirituoso e alegre, mas, ao mesmo tempo, cheio de sentimentos, angústias e desejos; sobretudo, um homem cheio de dilemas éticos e morais. Ethan Hamley vive na fictícia cidadezinha de New Bayton, trabalha como empregado no mercado que perteceu a sua família e que ele teve que vender a um italiano por conta das dívidas. Ethan carrega um passado nobre pois é descendente de orgulhosos capitães do mar da nova Inglaterra. De nobre a reles empregado de marcearia.

Ethan é casado com Mary uma mulher insatisfeita e sedenta por riqueza e tem com ela tem dois filhos adolescentes também problemáticos e descontentes, pois desejam confortos materiais que o pai não pode fornecer. Em uma das passagens do livro, a filha pergunta ao pai: “Papai, quando vamos ficar ricos?” Ao que Ethan responde: Mas eu não lhe disse o que sei: ‘vamos ficar ricos logo, e você que lida mal com a pobreza, vai lidar mal com a riqueza do mesmo jeito’. E é verdade. Na pobreza, ela é invejosa. Na riqueza, pode ficar esnobe. O dinheiro não transforma a doença, apenas os sintomas”.

“Quem suja as mãos, suja duas vezes” . A primeira vez Ethan suja ao denunciar seu patrão, um italiano ilegal, ao serviço de imigração. Isso faz com que Ethan retome o mercado da família. A outra é quando ele empresta mil dólares ao amigo e Alcoolatra Danny, prevendo a morte do amigo, para ficar com sua propriedade, onde cogitavan a construção de um aeroporto.
A máxima também nos serve para compreender a estrutura narrativa: o foco narrativo é dividido entre o narrador em 3º e o narrador em primeira com o próprio Etahn contando sus história. Neste caso, não bastou a ele, destituir-se de todos os princípios éticos em suas ações; mas para chafundar-se ainda mais na lama, contou a própria história.

Mas antes que o leitor queira, por este texto, julgar o personagem, digo-lhe que Ethan é tão humano quanto cada um de nós. Ethan representa os dilemas morais vividos por cada um de nós em uma sociedade que nos cobra de forma dura e cruel um lugar ao sol. Todo homem tem seu preço. Ethan teve o dele. Qual o nosso?

Entre as várias definições de clássico de Calvino, encontramos a seguinte: Um clássico é um livro que nunca terminou aquilo que tinha para dizer”. O inverno de nossa esperança foi publicado em 1961, há 52 anos, mas sua verdade nua e crua sob os dilemas humanos continuam atuais. O romance continua nos dizendo verdades cruéis. Verdades sobre nos mesmos.

Em cada passante da multidão anônima, esconde-se um Ethan Hawley.

O comitê do Nobel afirmou que com O inverno da nossa desesperança John Steinbeck havia reconquistado sua posição como arauto da verdade. Um verdade que permance atual e que cala em cada um de nós. A queda ( lembremos Camus) de Ethan Hamley é também a nossa queda. Afinal, como nos lembra Rilke, “a lei geral é cair”.


Paulo André Correia. Escreve nas raras horas vagas.



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