O
inverno de nossa desesperança
Acho que foi em Django Livre, o
mais recente filme de Quentin Tarantino que ouvi a
máxima: “Quem suja a mão, suja duas vezes”. Se não foi aí que
a vi primeiro, foi na sucinta e lúcida resenha de Mayrant Gallo de O
Invasor, de Marçal Aquino. A máxima pode ser uma chave de
leitura para o belo romance de John Steinbeck, O inverno da nossa
esperança – L&PM, 2011, com o qual o autor é agraciado
como prêmio Nobel. A narrativa apresenta-nos uma narrativa
contudente do american Way of life. O livro relata a queda
moral de Ethan Hawley em busca de dinheiro e prestígio na própria
família e na sociedade.
Alain FinkielKraut, em Um coração inteligente (2011),
afirma que a literatura ocidental nasce de uma querela. Mas –
Finkielkraut citando Kundera - “Homero não teve ideia de se
perguntar se, depois de numerosas brigas corpoa a corpo, Aquiles ou
Ajax conservavam todos os dentes”. Esses heróis encarnavam
virtudes. A prosa ocidental moderna, no entanto, insere na narrativa
“os destinos ordinários e o ordinário de todos os destinos, as
vidas modestas e o caráter cotidiano da vida nascem da
insignificância” .
O inverno da nossa esperança focaliza a vida de um homem
comum, espirituoso e alegre, mas, ao mesmo tempo, cheio de
sentimentos, angústias e desejos; sobretudo, um homem cheio de
dilemas éticos e morais. Ethan Hamley vive na fictícia cidadezinha
de New Bayton, trabalha como empregado no mercado que perteceu a sua
família e que ele teve que vender a um italiano por conta das
dívidas. Ethan carrega um passado nobre pois é descendente de
orgulhosos capitães do mar da nova Inglaterra. De nobre a reles
empregado de marcearia.
Ethan é casado com Mary uma mulher insatisfeita e sedenta por
riqueza e tem com ela tem dois filhos adolescentes também
problemáticos e descontentes, pois desejam confortos materiais que o
pai não pode fornecer. Em uma das passagens do livro, a filha
pergunta ao pai: “Papai, quando vamos ficar ricos?” Ao que
Ethan responde: Mas eu não lhe disse o que sei: ‘vamos ficar
ricos logo, e você que lida mal com a pobreza, vai lidar mal com a
riqueza do mesmo jeito’. E é verdade. Na pobreza, ela é invejosa.
Na riqueza, pode ficar esnobe. O dinheiro não transforma a doença,
apenas os sintomas”.
“Quem suja as mãos, suja duas vezes” . A primeira vez Ethan
suja ao denunciar seu patrão, um italiano ilegal, ao serviço de
imigração. Isso faz com que Ethan retome o mercado da família. A
outra é quando ele empresta mil dólares ao amigo e Alcoolatra
Danny, prevendo a morte do amigo, para ficar com sua propriedade,
onde cogitavan a construção de um aeroporto.
A máxima também nos serve para compreender a estrutura narrativa: o
foco narrativo é dividido entre o narrador em 3º
e o narrador em primeira com o próprio Etahn contando sus história.
Neste caso, não bastou a ele, destituir-se de todos os princípios
éticos em suas ações; mas para chafundar-se ainda mais na lama,
contou a própria história.
Mas antes que o leitor queira, por este texto, julgar o personagem,
digo-lhe que Ethan é tão humano quanto cada um de nós. Ethan
representa os dilemas morais vividos por cada um de nós em uma
sociedade que nos cobra de forma dura e cruel um lugar ao sol. Todo
homem tem seu preço. Ethan teve o dele. Qual o nosso?
Entre as várias definições de clássico de Calvino,
encontramos a seguinte: “Um
clássico é um livro que nunca terminou aquilo que tinha para
dizer”. O
inverno de nossa
esperança foi
publicado em 1961, há 52 anos, mas sua verdade nua e crua sob os
dilemas humanos continuam atuais. O romance continua nos dizendo
verdades cruéis. Verdades sobre nos mesmos.
Em cada passante da multidão
anônima, esconde-se um Ethan Hawley.
O comitê do Nobel afirmou que com
O inverno da
nossa desesperança
John Steinbeck havia reconquistado
sua posição como arauto da verdade.
Um verdade que permance atual e que cala em cada um de nós. A queda (
lembremos Camus) de Ethan Hamley é também a nossa queda. Afinal,
como nos lembra Rilke, “a
lei geral é cair”.
Paulo André Correia. Escreve nas
raras horas vagas.
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