A
Marca humana e A Trégua: a vida como derrota
I
Dois
homens na segunda fase da vida. Um setenta em três, o outro
cinquenta. Ambos envolvem-se com mulheres que têm metade de suas
idades. Relação que possibilita ao mesmo tempo uma trégua e uma
queda a estes personagens. Estamos falando de Coleman Silk e Martín
Santomé. O primeiro personagem principal do romance de Philip Roth,
A marca Humana (2002); o segundo é personagem-narrador de A
Trégua (2011), de Mário Benedetti.
Coleman
Silk vem a lume pela narrativa do narrador-escritor Natan Zuckeman,
um possível alter ego de Roth. Ele nos revela a tragédia de Silk,
um professor universitário prestes a se aposentar. Silk assumia o
cargo de Decano e queria se aposentar fazendo o que sempre fez:
ministrar aulas de literatura clássica. Por usar o termo spooks
para refereir-se as dois alunos que nunca frenquentaram suas aulas (e
não imaginava quem eram), Silk é acusado de racismo. Devido ao
processo, Silk pede demissão e sua mulher morre de um avc e ele
revolta-se. Mas surge-lhe uma trégua. Silk conhece a faxineira da
universidade em que trabalhava e mantém com ela uma relação
tumultuosa. A essa mulher, ele revela um segredo que carregara
durante toda a vida.
Martin
Santomé um viúvo às via de se aposentar indaga-se sobre o que
fazer com o tempo que estará a seu dispor despois da aposentadoria.
Com três filhos já adultos e viúvo a mais de vinte anos, Santomé
sofre a solidão. Enquando aguarda o período para solicitar
aposentadoria, ele apaixona por uma nova funcionária da empresa de
contabilidade em que trabalha. Essa paixão,correspondida, cria uma
suspensão, uma trégua na ordem natrural das coisas desse sujeito
cada vez mais próximo da morte. O romance construído como um
diário-íntimo nos apresenta, por assim dizer, esse tempo em
suspenso na vida de Santomé.
II
Tégua é
um intervalo entre guerras, entre tumultos. Para Silk a trégua
aparece sobre o nome de Faunia Faley. Para Santomé pela jovem
Avellaneda.
III
Coleman
Silk e MArtin Santomé revelam o quanto são pesados os
condicionamento ontológicos, históricos e sócias. Cada um a sua
maneira. Um mais efusivo. O outro mais contido. A marca humana deles,
e nossa.
Santomé
passa a vida num trabalho que realiza sem prazer pela obrigação de
sustentar e educar os filhos, após a morte da primeira mulher. Com a
aparição de Laura Avellaneda ousa uma rebeldia, uma transgressão,
um salto que é ao mesmo tempo uma queda.
Silk, de
forma mais efusiva, ao renegar a família para esconder a
descendência negra, ao não aceitar se retratar na acusação de
racismo, ao relacionar-se com Faunia Farley, uma relação que
podería trazer-lhe sérios próblemos, inclusive a morte, já que
Faunia era perseguida por um ex-marido ex-combatente do Viatnã.
IV
A
trégua explora, à sua maneira, a alienação do homem
contemporâneo. A trégua é justamente o intervalo entre a alienação
do trabalho e o vazio da aposentadoria. Por isso, Santomé anuncia o
fim do diário após a morte de Avellaneda. Só lhe resta o vazio e
sobre isso ele não qur escrever.
A
marca humana, com a narrativa contextualizada no
período em que o presidente americano Bill Clinton é envolvido num
escândalo sexual. Uma das questões do livro é justamente este
tempo hipócrita politicamente correto.
Mesmo
fadados à derrota, mesmo condenados pelo destino e pela própria
condição, Silk e Santomé são sujeitos que tentam tomar o rumo de
suas próprias vidas. São conscientes de sua própria condição. Ao
escrever diário e ao narrar parte de sua vida a Natan Zuckeman,
Santomé e Silk revelam uma condição paradoxal: a de herói-vítima.
V
Ambos os
romances tem o tumulto como elemento central. Ou seja, o mal, o
excesso humano, a força transgressora.
Nas
anotações finais de seu diário Santomé escreve:
É
evidente que Deus me concedeu uma destino escuro. Nem sequer cruel.
Simplesmente escuro. É evidente que me concedeu uma trégua. A
princípio relutei em acreditar que isso pudesse ser a felicidade.
Resistir com todas as forças, depois me dei por vencido e acreditei.
Mas não era felicidade, era apenas uma trégua. Agora estou outra
fez medido em meu destino. E é mais escuro do que antes.
Em a
Marrca humana, este tumulto e definido por Faunia Farley:
[…]
Impureza, crueldade, maus-tratos, erros excrementos, esperma – não
tem jeito de não deixar. Não é uma questão de desobediência. Não
tem nada a ver com graça nem salvação, nem redenção. Está em
todo mundo. Por dentro, inerente. Definidora. A marca que está lá
antes do seu sinal. Mesmo sem nenhum sinal, ela está lá. A marca é
tão intrínseca que não precisa de sinal. A marca precede a
desobediência e confunde qualquer explicação.
VI
Ambos os
romances nos revelam que “a vida humana como tal é uma derrota. A
única coisa que nos resta diante dessa inelutável derrota que
chamamos vida é tentar compreendê-la. Eis aí arte de ser do
romance” (KUNDERA, 2006, p. 17).
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